OPINIÃO: Patrimônio digital: já pensou em fazer um testamento?

, | | 28 de janeiro de 2019


César Moreno e Ana Lúcia Tolentino

Proprietários de carteiras de criptomoedas, “tokens”, milhas, recursos usados em games, canais de YouTube e perfis capazes de atrair audiência relevante em redes sociais, como Facebook, Instagram, Tumblr e Twitter, entre outros acervos digitais, já se preocupam em como garantir seu legado. Demorou, mas os acervos digitais começam a ser encarados como patrimônio e, portanto, precisam ser protegidos.

Se o acervo digital assume status de patrimônio, o caminho natural seria tratá-lo como um bem de valor. Mas como fazer isso? Um tema que vem ganhando espaço no mundo jurídico são os testamentos de bens digitais.

Muitas redes sociais analisam o que fazer no caso de falecimento do dono de um perfil. Essa preocupação motivou a criação de ferramentas para que o usuário indique a pessoa que poderá ter acesso à sua conta em caso de falecimento. Mas é preciso pensar além. Mais pessoas poderão acessar essas mídias? Essas pessoas deverão seguir algum tipo de regra? E se o perfil tiver valor monetário, para quem ficará? Essas são apenas algumas perguntas que proprietários de bens digitais devem começar a se fazer, pois o patrimônio virtual só tende a aumentar e poderá se perder, caso não seja tratado como um bem de fato.

Há cinco anos, essa discussão ganhou repercussão depois que a professora americana Karen Willians abriu uma ação judicial contra o Facebook para manter o perfil de seu filho, Loren, no ar, após a morte prematura do rapaz, aos 22 anos. A questão do patrimônio digital tende a estar relacionada ao falecimento de pessoas mais jovens, por ser esse o público mais dedicado à criação de perfis com apelo e de ativos digitais variados.

O patrimônio digital de um indivíduo muitas vezes não é conhecido por sua família; ou, mesmo que seja conhecido, pode ser que o proprietário dos bens digitais deseje deixá-los para uma pessoa específica, não necessariamente um de seus parentes mais próximos. Por esse e outros motivos, a elaboração de um testamento pode ser uma boa alternativa. No Brasil, dois tipos de testamento podem ser usados para esses casos.

Um deles é o testamento particular. É indicado se o testador – em outras palavras, o dono do testamento – tiver parentes ou amigos de muita confiança, pois a única exigência deste modelo é que deve ser lido e assinado na presença de ao menos três testemunhas, que o devem subscrever, dispensando a presença de um tabelião.

Outra opção é o testamento cerrado, ideal para senhas secretas e conteúdos que não devem ser revelados em vida. Isso porque é escrito diretamente pelo testador ou por outra pessoa a seu rogo, desde que assinado em todas as páginas pelo testador e submetido à aprovação do tabelião na presença de duas testemunhas.

Analisar o tipo de patrimônio virtual em questão é o primeiro passo para identificar o melhor tipo de testamento. O segundo passo é garantir a transmissão dos bens digitais a quem de desejo e, por fim, é necessário manter a privacidade e a segurança das informações colocadas em testamento pelo testador.

Pensar no destino do espólio digital é uma necessidade, principalmente para aqueles que obtêm renda a partir de trabalho no meio digital, como youtubers.

Atualmente, o YouTube paga pelas visualizações dos vídeos postados, desde que sejam cumpridas algumas regras. Ao definir o destino de suas contas, o testador define quem ficará com a receita de seus vídeos. Ele pode até definir quais vídeos, imagens e fotos poderão ser publicados após o seu falecimento, se assim desejar. Por se tratar de um repositório de memórias, a família tem a possibilidade de fazer uma cópia dos vídeos. Porém, o direito autoral sobre a produção do canal permanecerá com os herdeiros.

O Legislativo brasileiro também começa a se atentar para o tema, ainda que com morosidade. Tramita no Senado o Projeto de Lei 4.099/2012, que pretende alterar o art. 1.788 do Código Civil para incluir os conteúdos de contas ou arquivos digitais do falecido na relação dos bens que serão passados aos herdeiros. O problema está no direito à privacidade do dono dos bens, na medida em que pode haver conteúdos que ele não queira que sejam compartilhado com sua família.

Apesar de a legislação não avançar na mesma velocidade da inovação tecnológica, temos de nos adaptar e respeitar as regras e às leis atuais, para chegar ao fim pretendido. Saber utilizar as ferramentas e mecanismos jurídicos é fundamental para proteger um patrimônio valioso e garantir que fortunas virtuais não se percam.

César Moreno e Ana Lúcia Tolentino são advogados no escritório Braga & Moreno.

*Este artigo foi publicado originalmente em Época Negócios.

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