OPINIÃO: Necessidade de tabelião é verdade inconveniente, diz Roberto Livianu

| | 2 de novembro de 2018


Por Roberto Livianu

Dentre as inúmeras verdades inconvenientes que vieram à tona quando o caldeirão foi destampado pela operação Lava Jato, causou verdadeiro assombro a facilidade como à luz do dia negócios ilícitos foram celebrados em “contratos frios”, respaldados em empresas com o uso de “laranjas”, movimentando cifras gigantescas, respaldado na máxima de que o papel aceita tudo e na certeza da impunidade decorrente das porteiras não vigiadas.

Há muitos anos, os sistemas jurídicos dos países têm se preocupado com a necessidade de garantir lisura, transparência e segurança nos negócios, evitando a clandestinidade, a fraude e evasão fiscal, obrigando as partes celebrantes dos negócios a estarem na presença de um tabelião de notas. Este foi o caminho trilhado pelos ordenamentos jurídicos da França, Itália, Espanha e Alemanha, de tradição do direito civil romano-germânica (Civil Law), por exemplo, que inspiram e norteiam o nosso.

O Brasil, infelizmente, não acompanhou esta evolução e ficou para trás. Por tais razões o deputado Milton Monti apresentou o projeto de lei 10.044/2018, que propõe ser obrigatória a forma da escritura pública para a constituição e modificação de empresas, modificação de fundamental importância para a sociedade, que quer a transparência e moralização da atividade econômica, vez que o principal método para driblar a receita federal é a constituição de empresas em nome de “laranjas”.

Na presença de um tabelião de notas, os atos e negócios jurídicos não mais poderão conviver com a opacidade, com a clandestinidade e os atos constitutivos e modificativos de empresas sempre estarão à disposição, para consulta pública, passando a estar revestidos na necessária publicidade que lhes dará maior segurança jurídica. Não obstante não se poder ter certeza ideológica sobre os conteúdos contratuais, a exigência da apresentação pessoal indiscutivelmente inibirá práticas fraudulentas.

Quem pretender constituir uma sociedade empresarial necessariamente deverá se identificar documentalmente e se qualificar presencialmente diante do tabelião, que terá o prazo de até 2 dias para lavrar a escritura de constituição da empresa. Assim, acaba o reinado dos contratos de gaveta, dos “laranjais” misteriosos, se for aprovado o PL.

O PL facilita a abertura de empresas para os empreendedores que visam fins lícitos, ao mesmo tempo que controla a atividade ilícita pretendida por criminosos que hoje utilizam a constituição de empresas por contratos particulares, que contribui decisivamente para o “uso de laranjas”, possui custo elevado (correspondendo ao triplo do valor da escritura – PL 10.044/18), gera insegurança e não atende aos anseios da sociedade e nem do Poder Judiciário.

Louis Brandeis, juiz da Suprema Corte americana, de forma sábia, ensinou-nos que a luz solar é o melhor desinfetante. Nossa trintenária Constituição Federal consagra a transparência pelo princípio da publicidade, instrumento vital para o combate da corrupção.

Mas, muitos anos antes Platão já tinha nos ensinado que podemos facilmente perdoar uma criança que tem medo do escuro; a real tragédia da vida é quando os homens têm medo da luz. Não se deve definitivamente temer a luz da transparência moralizante. Aliás, é nossa única opção.

Roberto Livianu é promotor de Justiça em São Paulo e doutor em direito pela USP. Atua na Procuradoria de Justiça de Direitos Difusos e Coletivos. Idealizou e preside o Instituto Não Aceito Corrupção. É comentarista da bancada do Jornal da Cultura, articulista da Folha de S. Paulo e colunista da Rádio Justiça, do STF. O articulista escreve para o Poder360 semanalmente, às terças-feiras.

*Este artigo foi publicado originalmente em Poder 360.

 

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