Assembleia Legislativa discute desmembramento das serventias extrajudiciais

| | 16 de abril de 2018


Na última segunda-feira (09/04), a Assembleia Legislativa de Goiás promoveu uma audiência pública em suas dependências para discutir sobre o projeto de lei  nº 4842/17 que prevê o desmembramento das serventias extrajudiciais no Estado. Na mesa, estavam presentes o deputado Helio de Sousa, presidindo os trabalhos; o presidente do TJGO, Gilberto Marques Filho; deputado de Santa Catarina Kennedy Nunes (PSD); o presidente da Associação dos Notários e Registradores de Goiás, Pedro Ludovico Teixeira Neto; presidente e conselheiro da Comissão de Ensino Jurídico da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-GO), Rubens Fernando Mendes Campos e o promotor de Justiça e coordenador do Centro de Apoio Operacional de Combate à Corrupção e Defesa do Patrimônio Público do Ministério Público de Goiás (MP-GO), Bruno Barra Gomes.

O desembargador Gilberto Marques Filho deu início ao debate falando sobre o histórico do projeto de lei e sobre a cobrança da Corregedoria Nacional de Justiça no sentido de dar andamento à proposta. Apesar de defender a necessidade de desmembrar as serventias, o jurista argumentou que a prioridade deve ser voltada para os interesses da comunidade e discorreu sobre a atuação dos cartórios no Estado de Goiás e em especial aos que tomaram posse em 2014. “Atualmente, nós temos bons cartorários, dedicados, bem formados na área extrajudicial. Estamos na medida do possível bem atendidos. Essa turma nova também tem mostrado bom serviço, pessoas que vieram em sua maioria de outros estados, mas já estão procurando criar raízes aqui no nosso Estado”, afirma.

Em seguida, a palavra foi dada ao economista Flávio Guerra que expôs a realidade atual dos serviços extrajudiciais e os impactos que a reestruturação poderá causar aos usuários caso seja aprovada. Para isso, Guerra apresentou os dados como o tempo de espera e a satisfação dos usuários e comparou com demais setores da sociedade. “Hoje os bancos tem um tempo médio de espera de 15 minutos de atendimento, os cartórios estão com tempo médio de 3 minutos. Quando a gente compara com alguns setores da economia, o índice de satisfação dos cartórios é de 82%, junto com uma associação norte americana de consumidores que o nível de satisfação está em 80%, os demais incluindo banco vem para casa dos 60%. É uma disparate o nível de satisfação dos cartórios em relação dos demais setores da economia”, relata.

A respeito dos impactos da reestruturação, o economista discorreu sobre como a população será influenciada, os impactos sobre a economia e sobre os agentes econômicos e as reações sobre os órgãos reguladores e fiscalizadores. Para explanar sobre o custo, Flávio Guerra usou como exemplo a certidão negativa de propriedade. “Hoje uma pessoa que paga em torno de R$ 230,00 passará a pagar algo em torno de R$ 460,00. Com essa reestruturação, a principal parcela da população afetada entra dentro da faixa ‘Minha Casa, Minha Vida’ e regularização fundiária. No modelo atual, existe um cartório originário, o que é menos burocrático. Se a gente passa para essa nova situação proposta, o usuário teria pelo menos quatro etapas para fazer a mesma coisa, pulando de serventia em serventia”, explica.

Ao final de sua apresentação, Flávio Guerra discorreu sobre as sugestões de como melhorar o atual sistema, listando suas contrapropostas e sugestões para desembocar em maior padronização do atendimento à população. Entre elas, uma gestão mais próxima do modelo da iniciativa privada, maior nível de investimentos dos próprios cartórios no qual as serventias são sujeitas à fiscalização e regulação atuante e um modelo que utilize um sistema baseado na meritocracia. Além disso, o economista sugeriu também seguir as orientações do Conselho Nacional de Justiça, através da realização de concurso público com maior transparência do sistema, a exigência de padrão mínimo aceitável e aumentar a receita bruta mínima para 15 salários mínimos, de acordo com a Lei nº 19.191 de 2015.   

O advogado Rubens Fernando Mendes Campos, representando a OAB-GO, argumentou que o projeto é oportuno visto a importância dos serviços extrajudiciais, mas garantiu que a análise fora feita sob a ótica da constitucionalidade e juridicidade. “A Ordem encontrou alguns pequenos óbices em que ela recomenda a retificação do projeto, em que ela entende que o projeto pode ser melhorado. Na visão da OAB, há inconstitucionalidade chapada, se me permite usar essa expressão, a inconstitucionalidade nos parece bastante explícita”, afirma Mendes Campos.

Segundo o advogado, um dos artigos que apresentam inconstitucionalidade é 2º artigo cuja redação diz que “todos os serviços criados por esta lei que dispensar, em observância do critério de vacância, deverão ser imediatamente instalados com a vigência desta lei”. A OAB-GO entende que a redação do artigo está dúbia e que seja impostergável que as novas serventias sejam supridas exclusivamente por concurso público. “Nós entendemos que deveria ser mais explícito sobre a criação, a remoção, o desdobramento ou mesmo a desacumulação de serventias, que sejam feitas posteriormente por alguém que logre isso em concurso público, que elas não possam ser supridas de forma precária”, argumentou.

Kennedy Nunes, deputado estadual de Santa Catarina, apresentou o caso de seu estado quando também tramitou na Corte de lá um projeto de desmembramento das serventias. À época, o parlamentar buscou na legislação um amparo e depreendeu que se a serventia atende os requisitos eficiência, urbanidade e presteza, não há porque desmembrar. Ele apresentou também os dados levantados de antes e depois da posse dos concursados. “Antes do concurso público, o tempo médio para uma certidão lá em Santa Catarina era de cinco dias úteis, o tempo médio para registro era de três meses, o tempo médio nas filas de espera de 1h30. Hoje, o que eram cinco dias úteis para uma certidão passou para cinco minutos, o que era três meses para o registro passou para quatro dias e o que era tempo de espera em filas de 1h30 passou para cinco minutos”, relatou.

Após a análise de cenário e os impactos do desmembramento, o deputado catarinense concluiu que aumentar o número de cartórios de notas não cria custo extra e não prejudica o cidadão. Enquanto ao que tange aos cartórios de registro de imóveis, quanto mais unidades, mais certidões de registro terá que pagar o cidadão. “Nós levamos em consideração os custos dos impostos para o cidadão na medida que teria que arcar com a obtenção de certidões negativas em cada serventia extrajudicial, o atendimento eficiente das serventias já existentes e atendendo ao dispositivo constitucional da delegação da serventia por meio de concurso público”, garantiu.

Antes de abrir o microfone para os deputados da Casa, o presidente da mesa, deputado Hélio de Sousa atendeu o questionamento do deputado Humberto Aidar sobre dar a palavra para algum representante dos concursados. Nesse ínterim, o professor de Direito Administrativo da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Maurício Zockum, tomou a palavra e pontuou que quando se trata de repartição de competências em matérias notariais e de registro não se deve levar em consideração aspecto geográfico, pois este é um critério secundário. “Se o serviço estiver sendo mal prestado, de forma inadequada, de forma ineficiente, aí então a autoridade competente pode propor a repartição observados também os critérios populacionais”, argumentou.

Para fundamentar seu posicionamento, Zockum deu exemplo de São Paulo, afirmando que os últimos cartórios foram criados nos anos 70, quando a população era de 6 milhões de pessoas. Entretanto, no Censo de 2010, a população passou para 11 milhões. De acordo com o professor, mesmo com quase o dobro da população, o número de cartórios não aumentou nem por desmembramento ou desdobramento e explicou o porquê. “Pouco importa o tamanho da população, pouco importa saber se a rentabilidade é maior ou menor, não é esse o tema que envolve as atividades notariais e de registros, importa saber se eles estão sendo bem ou mal prestados. Pergunta por que nenhum cartório foi criado depois dessa época? Por que está sendo bem prestado”, declarou.

Após a manifestação de alguns dos presentes na audiência, o presidente do Sindicato dos Notários e Registradores do Estado de Goiás (Sinoreg-Goiás), Dr. Igor Guedes, se pronunciou quanto aos valores dos emolumentos questionados por alguns dos presentes. “Para cada real arrecadado pelos cartórios, em torno de 75% não é receita dos cartórios. Desses 75%, 39% são compostos por fundos institucionais, 5% pelo INSS, 3% por taxas judiciais e mais 27% pelo imposto de renda. Nós pagamos como pessoas físicas e não como pessoas jurídicas. Então o que sobra de cada real é 25% e é com esses 25% que o notário e registrador tem que arcar com os custos incidentes sobre o funcionamento dos cartórios como água, luz, os funcionários… E uma vez esses custos pagos, o que sobra é a remuneração do tabelião e registrador”, explanou.

O Sinoreg-Goiás já havia se manifestado a respeito da proposição em janeiro e pode ser conferido neste link. O projeto de lei do Tribunal de Justiça segue agora para a Procuradoria da Assembleia Legislativa do Estado de Goiás, capitaneada pelo Dr. Murilo Teixeira Costa. Ainda na ocasião da audiência, o deputado e relator do projeto, Helio de Sousa, determinou o prazo de uma semana para receber sugestões ou ideias quanto à proposta para então elaborar o relatório da Comissão Mista.

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