Entrevista: Corregedor-Geral fala sobre a criação do selo da usucapião para aperfeiçoar os serviços extrajudiciais

, | | 26 de março de 2019


Natural do Rio de Janeiro e filho de desembargador, o novo corregedor-geral do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO), Dr. Kisleu Dias Maciel Filho, veio para o interior de Goiás com apenas um ano de idade. Formou-se em Direito pela Universidade Católica de Goiás, que mais tarde se tornou a Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC/GO), e também se especializou em Direito Processual Civil pela mesma instituição.

O desembargador já soma 36 anos de magistratura iniciada em 1983, quando foi nomeado juiz para a comarca de Abadiânia, onde também atuou em Alexânia e Anápolis. Foi transferido para Rubiataba, em 1986, e para Jaraguá, em 1987. Ao se mudar para Goiânia, presidiu a Associação dos Magistrados do Estado de Goiás (Asmego) no biênio 2004/2006, além de atuar na 7ª Vara Criminal e, em seguida, na 10ª Vara Cível.

Ainda em 2004, passou a integrar a 4ª Câmara Cível, a 2ª Seção Cível e o Órgão Especial. Também atuou no Tribunal Regional Eleitoral de Goiás (TRE-GO), no qual foi eleito Corregedor Regional Eleitoral para o biênio de 2014/2016 e presidente no biênio 2016/2018. Agora eleito com 30 votos pelo Tribunal Pleno, composto por todos os desembargadores que compõem o TJGO, assume a Corregedoria-Geral da Justiça de Goiás no biênio 2019/2021.

Em entrevista exclusiva para o Sindicato dos Notários e Registradores do Estado de Goiás (Sinoreg/GO), o desembargador falou sobre o processo de desjudicialização e sobre o que planeja para as unidades de atendimento extrajudicial durante sua gestão na Corregedoria, como criação do selo da usucapião e a realização de reuniões trimestrais com entidades que congregam a categoria dos notários e registradores.

Sinoreg GO: Considerando a trajetória da Vossa excelência na magistratura, há algum fato ou contribuição, para o Poder Judiciário, de que Vossa Excelência mais se orgulha ou que mais queira contar em detalhes?

Des. Kisleu Dias: São inúmeras as situações com as quais me deparei ao longo da minha trajetória profissional como magistrado (juiz e desembargador), portanto, seria impossível descrever aqui um fato específico e isolado. No entanto, já como corregedor-geral da Justiça do Estado de Goiás, em uma das primeiras ações da minha gestão, um caso relativo ao programa Pai Presente, idealizado pelo Conselho Nacional de Justiça e executado atualmente pelas Corregedorias-Gerais de Justiça do País, a exemplo da nossa, causou grande comoção e nos emocionou pela grande relevância social. Uma jovem estudante privada do pai por 17 anos foi reconhecida pelo genitor, que nem sequer imaginava que tinha uma filha. A fala dessa moça, em todo o tempo, esteve carregada de gratidão, e a concretização desse desejo tão importante e fundamental para um ser humano que é o reconhecimento paterno, não só no papel, mas na vida, só foi possível graças a esse belo programa que é o Pai Presente.

Através desse projeto, vidas são modificadas e os vínculos afetivos entre pais e filhos são restabelecidos. É preciso ressaltar, inclusive, que todo o procedimento é gratuito, rápido e sem burocracia, inclusive com a disponibilização de testes de DNA gratuitos para todos aqueles que só tem o nome da mãe na certidão de nascimento. Neste caso específico, da jovem estudante, realizei a entrega das certidões de nascimento e de casamento da estudante, já com o nome do pai e dos avós paternos inseridos, e reconhecer a alegria genuína estampada no rosto do pai e da filha, bem como a concretização do sonho acalentado por essa moça durante tantos anos, foi muito gratificante.

Precisamos estar cientes da mudança de cultura e do papel social desempenhado pelo Poder Judiciário no contexto atual, e isso também se estende à Corregedoria-Geral da Justiça. É claro que temos a nossa parcela de responsabilidade e nosso objetivo é justamente atender às expectativas da sociedade através da prestação de um serviço cada vez mais célere e humanizado.

Sinoreg GO: Vossa excelência acredita que o movimento de desjudicialização, que trouxe a possibilidade de atuação dos serviços extrajudiciais na formalização de inventário, partilha e divórcio, na usucapião extrajudicial, ou em procedimentos de conciliação/mediação, pode contribuir para melhorar a eficiência do Poder Judiciário?

Des. Kisleu Dias: Segundo dados do último relatório “Justiça em Números”, do Conselho Nacional de Justiça, divulgado em 2018, o Poder Judiciário encerrou o ano de 2017 com um estoque de 80,1 milhões de processos em tramitação. Conforme consta do mencionado relatório, “em toda série histórica, o ano de 2017 foi o de menor crescimento do estoque, com variação de 0,3%, ou seja, um incremento de 244 mil casos em relação ao saldo de 2016. O documento prossegue esclarecendo que esse resultado decorre, em especial, do desempenho da Justiça Estadual, que apesar de registrar historicamente um crescimento médio na ordem de 4% ao ano, variou em 2017 apenas 0,4%”.

Veja que a Justiça Estadual, apesar de receber o maior quantitativo de demandas judiciais, tem atuado de forma positiva para reduzir o estoque de processos, resultado decorrente da soma de esforços de todos os magistrados e servidores, aliado a uma gestão eficiente. Contudo, somente estas ações não seriam suficientes para garantir a eficiência que o jurisdicionado espera, em razão do vertiginoso crescimento da judicialização de relações decorrentes da vida em sociedade. Neste aspecto, a possibilidade de resolução de conflitos pela via extrajudicial, como nos casos de inventário, divórcio e usucapião, sem dúvida alguma contribui de maneira eficaz e positiva para a melhoria da eficiência do Poder Judiciário, na medida em que retira, justamente da Justiça Estadual, que possui o maior volume de processos, um significativo número de demandas.

Quanto a mediação e conciliação no extrajudicial, poderá representar grande auxílio do Poder Judiciário, na medida em que ocorrer adesão de significativo número de cartórios ao procedimento, observada a regulamentação prevista em recente provimento do Conselho Nacional de Justiça, de nº 67, datado de 26 de março de 2018. Os procedimentos de mediação e conciliação são facultativos, conforme estabelece mencionado provimento, mas possui potencial para reduzir a judicialização de relações que podem ser resolvidas pela via consensual, sem necessidade de intervenção do Poder Judiciário. Aliás, a questão foi objeto de debate no 80º Encoge, realizado em Recife/PE de 7 a 9 de fevereiro deste ano, destacando experiência positiva realizada pelo 8º Cartório de Ofício de Notas do Recife/PE.

Cito as conclusões extraídas sobre o tema:

– INFORMAR que as serventias extrajudiciais devem observar as suas respectivas competências e especialidades nos procedimentos de conciliação e mediação, salvo quando se tratar de cartório que acumule mais de uma especialidade, quando poderá estender a sua competência de atuação aos temas próprios de sua delegação;

– FOMENTAR junto às serventias que deverá ser observado o limite territorial de jurisdição para os procedimentos de conciliação e mediação, onde deverão ter domicílio, no respectivo município, todas as partes ou a maioria das partes envolvidas no litígio, salvo no caso de proximidade territorial ou de municípios integrantes da mesma região metropolitana;

– PONTUAR que a gratuidade dos procedimentos de conciliação e mediação deverá ser sempre concedida quando o assunto ou tema relativo ao litígio for relacionado a questões não econômicas, sendo as partes requerentes da gratuidade, cabendo ao notário ou registrador, nos casos relacionados a questões econômicas, avaliar a capacidade de cada parte para suportar o pagamento dos emolumentos;

– ESTIMULAR a realização de mediação nos procedimentos de inventário, divórcio e partilha extrajudicial, quando todas as partes forem capazes, ainda que, em princípio, não estejam concordes, servindo o procedimento de mediação para alcançar o acordo e viabilizar o resultado jurídico final, sem necessidade de judicialização da demanda.

Sinoreg GO: Como planeja estimular o aperfeiçoamento dos serviços prestados pelas serventias extrajudiciais nos próximos dois anos?

Des. Kisleu Dias: No desempenho de suas atividades de orientação e fiscalização, a Corregedoria prosseguirá com a realização das inspeções ordinárias e extraordinárias visando, sobretudo, verificar a regularidade dos serviços prestados para correção de eventuais falhas, sempre com o propósito e objetivo de contribuir com a melhoria das atividades prestadas aos usuários. Neste sentido, observando determinação do Conselho nacional de Justiça e atendendo inclusive solicitação de alguns cartorários, será dada ampla publicidade ao cronograma de correições ordinárias que serão realizadas pela Corregedoria junto às serventias extrajudiciais, dando tempo aos delegatários e interinos para que se organizem visando receber a equipe que realizará a inspeção, providenciando documentos, livros e acesso aos seus sistemas informatizados, quando necessário, conferindo assim transparência à atividade correicional.

Ainda, visando estimular o aperfeiçoamento dos serviços prestados pelas serventias extrajudiciais, a Corregedoria possui alguns projetos em implementação, que certamente contribuirão de forma eficaz com o trabalho desenvolvido. Dentre eles, encontra-se a criação do selo da usucapião, pois apesar da regulamentação do procedimento pelo Provimento nº 65/2017 do Conselho nacional de Justiça, até o momento não haviam sido criados, o que obriga os cartorários a utilizar selos de outros atos, em desacordo com o artigo 158, VI, do Código de Normas e Procedimentos do Foro Extrajudicial.

Importante frisar, também, que será cumprido pela Corregedoria, neste biênio, a determinação constante do artigo 2º, § 2º, da Resolução nº 81/2009, do Conselho nacional de Justiça, que estabelece a publicação da lista de serventias vagas, observando estritamente a correta ordem de vacância.

Sinoreg GO: De que forma as entidades que congregam a categoria dos notários e registradores do Estado de Goiás poderiam contribuir para o aperfeiçoamento dos serviços prestados pelas serventias extrajudiciais?

Des. Kisleu Dias: A função desenvolvida pela Corregedoria, na atividade de fiscalização e orientação das serventias extrajudiciais, visa sempre a melhorias dos serviços prestados aos usuários. Assim, é de fundamental importância a contribuição das entidades representativas da categoria dos notários e registradores do Estado de Goiás com esta função. Esta contribuição poderá ocorrer, a título de ilustração, com a adesão a projeto que se pretende implantar neste biênio, que terá como objetivo a realização de reuniões trimestrais entre a Corregedoria e as entidades que congregam a categoria dos notários e registradores do Estado de Goiás, visando alinhar a atividade correicional com a prática cartorária, para efeito de ajustar entendimentos, procedimentos e ações, visando a melhoria da prestação dos serviços cartorários à população, ocasião em que serão tomadas várias medidas, valendo citar dentre elas, por exemplo, o estabelecimento de padrões mínimos de documentos e exigências para a lavratura de atos elevados a registro, de fora a harmonizar a atividade notarial e registral, e sanar dúvidas sobre a aplicação de tabelas de emolumentos, observado neste particular o que estabelece a Lei nº 19.191/2015, em seu artigo 8º.

É preciso, ainda, que as entidades que congregam a categoria dos notários e registradores estimulem seus filiados para que observem e cumpram fielmente as normas legais e as orientações desta Casa Correicional, contribuindo, desta forma, com a eficácia e celeridade da prestação do serviço público em geral. Destaco, por oportuno, duas importantes deliberações tomadas pelo Colégio Permanente de Corregedores Gerais dos Tribunais de Justiça no 80º Encoge, constantes da Carta de Recife e que serão implementadas pela Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de Goiás, mas necessitam do apoio e contribuição da categoria para sua concretização.

A primeira sugere criar mecanismos de redução do prazo de comunicação de nascimento e óbito pelo serviço do extrajudicial, por todas as Corregedorias Gerais da Justiça em cooperação interinstitucional com o INSS – Instituto Nacional do Seguro Social para combate à fraude previdenciária. Esta medida será fundamental para auxiliar na redução do déficit previdenciário, especialmente neste momento em que a atenção de todo o País se volta para a Reforma da Previdência em curso no Congresso Nacional. O mecanismo já foi inclusive implementado em Recife com grande sucesso, representando economia significativa. Portanto, a Corregedoria-Geral da Justiça de Goiás contará com a fundamental participação da categoria nesta tarefa.

A segunda deliberação orienta utilizar as tecnologias de informação e fiscalização da receita do extrajudicial, o que já é objeto de alguns sistemas implementados por esta Corregedoria-Geral, como o selo eletrônico dotado do QR Code, pioneiro e referência para as demais Corregedorias Gerais, além da declaração de custeio, com total apoio das entidades que congregam a categoria dos notários e registradores do Estado de Goiás, que certamente irão contribuir com novos sistemas que gradualmente serão implementados.

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